É quase impossível ficar impassível diante de algumas conversas durante uma corrida de aplicativo. Não que eu puxe papo com o passageiro, mas essa impassividade pode aparecer de diversas formas. Por vezes faço questão de exteriorizar, mas em outras, fico apenas no pensamento. Vou tentar explicar melhor. No final da tarde de sexta-feira fiz uma corrida para um jovem casal. Ele tinha 33 anos e ela 22. No trecho de pouco mais de 15 quilômetros, eles se abraçaram, trocaram beijos rápidos e vieram conversando. Namorico recente, pelo jeito.
Lá pelas tantas, ela disse que pretendia visitar o meu cinema favorito, o Paradigma, para assistir a um filme, e agendar uma consulta com um psicólogo. Ele falava do seu trabalho, como tradutor, e, lá pelas tantas, ouvi citar o poeta, ensaísta e tradutor Haroldo de Campos – referência do movimento concretista da poesia brasileira. Já pensei comigo: “opa, esse pessoal tem um nível cultural acima da média”. Mas a melhor parte, nem foi essa, independentemente do meu julgamento.
É que durante os quase 30 minutos de trajeto – que não pegamos trânsito por conta da rota alternativa utilizada – eles não foram abduzidos pelo telefone celular! Ao final da corrida, fui obrigado a dar os parabéns ao casal pela interação entre eles, e contei um pouco do que me assusta.
Sim, é comum hoje em dia fazer corridas para adolescentes que, mesmo em grupo, se isolam nos celulares durante o trajeto. E quando é para comentar algo, falam que fulano bloqueou, que ciclano não segue mais, como se as atitudes no mundo virtual tivessem mais importância do que a interação social. E fico triste sempre que isso acontece, porque é reflexo dessa loucura toda que o mundo digital impôs à nossa sociedade. Então quando percebi que o casal agiu de forma completamente avessa ao comportamento que estou acostumado a testemunhar, fiquei feliz e fiz questão de transmitir esse sentimento.
Sim, ainda há uma esperança!