Há pouco mais de um mês, em 21 de novembro, Florianópolis foi impactada por um crime que não pode ser tratado como mais um. O feminicídio de Catarina Kasten, cometido de forma bárbara em uma trilha rumo ao Matadeiro, no Sul da Ilha, rompeu qualquer narrativa de normalidade e expôs, de maneira crua, a violência que segue rondando a vida das mulheres — inclusive em espaços públicos, abertos, teoricamente seguros.
A morte de Catarina não foi um episódio isolado. Foi um alerta. Um ponto de ruptura que, passados mais de 30 dias, ainda não se consolidou como marco. O choque inicial existiu, a comoção também. Mas o tempo avançou sem que o crime produzisse mudanças estruturais, protocolos novos ou respostas à altura da gravidade do que ocorreu.
Os números ajudam a entender por que esse silêncio é perigoso. Apenas nos bairros da Armação, Armação do Pântano do Sul e Pântano do Sul, 63 mulheres foram vítimas de ameaças, lesões corporais e estupros em 2025. São dados oficiais que, embora frios, desenham um mapa claro de vulnerabilidade. Cada registro dialoga diretamente com o que aconteceu com Catarina — e com o risco permanente de repetição.
Há quem destaque uma queda de 11% nas ocorrências em relação a 2024 como sinal de melhora. É uma leitura superficial. Na violência de gênero, a subnotificação é regra. Menos boletins não significam, necessariamente, mais segurança — podem significar mais medo, mais descrença no sistema, mais silêncio. Um único feminicídio é suficiente para desmontar qualquer discurso de tranquilidade estatística.
O problema não está na ausência de leis, mas na lentidão em transformá-las em prática cotidiana. A violência contra a mulher tem dinâmicas próprias, ciclos conhecidos e sinais prévios. Exige políticas públicas contínuas, integradas, com prevenção, acolhimento e resposta rápida. Até agora, a morte de Catarina não gerou esse ponto de virada.
Marcos não se constroem com discursos ou homenagens simbólicas. Constroem-se quando um crime muda rotinas do Estado, acelera decisões e deixa claro que aquela morte não será absorvida pela estatística. Um mês depois, isso ainda não aconteceu.
Lembrar 21 de novembro não é apenas um exercício de memória. É um ato de cobrança. Porque enquanto o nome de Catarina Kasten não representar um divisor de águas no enfrentamento à violência contra as mulheres, o risco segue presente — silencioso, cotidiano e perigosamente normalizado.
-23 de dezembro de 2025
