Comercial

Redação

quarta-feira - 30 de julho de 2025

Comercial

Redação

30/07/2025

Decisão do STF é uma grave ameaça à Liberdade de Expressão

Daniela de Lara Prazeres é advogada, especialista em Direito de Imagem, Direito de Imprensa e Liberdade de Expressão. Autora o e-book “Destrave seu talento de informar – 15 fundamentos para um jornalista evitar processos judiciais”, atua em várias áreas do Direito, mas é considerada referência em Santa Catarina nos processos que envolvem crimes contra a honra – calúnia, injúria e difamação.

A recente decisão do STF sobre a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (lei 12.964 de 2014) reacendeu o acalorado debate sobre a censura nas redes sociais e no ambiente virtual. Afinal, existe ou não censura no Brasil, a partir desta decisão?
A decisão do STF pela inconstitucionalidade parcial do artigo 19 do Marco Civil da Internet não representa, por si só, um ato de censura, mas o STF deixa nas mãos das plataformas digitais o poder de censurar. A decisão do STF autoriza que as plataformas digitais sejam cobradas a agir com mais rapidez diante de conteúdos ilícitos. É compreensível esta decisão, porque não é possível ficar esperando uma decisão judicial para a retirada de conteúdos que envolvam crimes como racismo, pedofilia ou induzimento ao suicídio, por exemplo. É evidente que a velocidade com que as publicações se propagam num ambiente digital é infinitamente mais rápida do que a atuação do Judiciário, de forma que exigir que certos conteúdos de internet sejam retirados somente após uma decisão judicial, não possui efetividade. As consequências danosas são imensuráveis. Além disso, as plataformas digitais é que possuem conhecimento acerca das ferramentas necessárias para conter estes conteúdos de forma mais rápida e eficaz. Porém, ao transferir para as plataformas o poder e o dever de decidir o que permanece ou não no ar, quem vai passar a moderar o conteúdo são as empresas privadas e não mais o Judiciário. E aqui está o maior risco: se antes o problema era a lentidão do Judiciário, agora o problema é garantir que a moderação feita pelas plataformas não represente uma censura. A tendência é que esta censura ocorra, porque a análise do conteúdo deverá ser feita de forma rápida e a plataforma não vai correr o risco de ser penalizada. Na dúvida, o conteúdo será retirado. E se hoje, para a retirada de um conteúdo, deveria haver todo o trâmite do devido processo legal, com o contraditório e a ampla defesa, isto não ocorrerá mais no “tribunal” da plataforma digital. Além disso, a decisão do STF traz um rol taxativo de crimes que deverão ser coibidos pela plataforma com a remoção imediata dos conteúdos. Porém, trata-se de crimes definidos pelo Código Penal, cujas condutas são passíveis de interpretação como, por exemplo, abolição do Estado de Direito, atentados contra as eleições. E ainda, atualmente a Constituição proíbe a censura prévia. Ou seja, no atual modelo do ordenamento jurídico, privilegia-se a liberdade de expressão e somente após a publicação, se observado o ato ilícito, remove-se o conteúdo. Com esta decisão acontece o contrário, na dúvida remove-se o conteúdo e o autor do conteúdo é que terá que buscar o Judiciário para voltar a publicá-lo. Então é possível afirmar que a partir desta decisão há grave risco à Liberdade de Expressão.

Poderia detalhar, para quem é leigo no assunto, o que muda a partir de agora?
Antes as plataformas só podiam ser responsabilizadas se descumprissem ordem judicial específica para retirar conteúdo ofensivo. Agora, com a nova tese firmada pelo STF, as plataformas podem ser responsabilizadas se, após serem notificadas extrajudicialmente pela vítima, não removerem o conteúdo e o Judiciário depois considerar o material ofensivo. Então antes não havia obrigação de agir ao receber uma notificação extrajudicial. Agora, a notificação extrajudicial gera o dever de agir e a omissão da plataforma pode resultar em responsabilização e pagamento de indenização. Não era necessário que as plataformas monitorassem ativamente o que circula nas plataformas. Com a nova decisão do STF, as empresas devem criar canais de denúncia sob sigilo e monitorar ativamente conteúdos, como discurso de ódio, racismo e incitação ao suicídio. Em casos graves, como racismo e pedofilia, as plataformas não tinham obrigação imediata de remover conteúdo. A partir desta decisão, em casos graves, a retirada do conteúdo deve ser imediata, mesmo sem notificação prévia. Então o dever de cuidado é ampliado. As plataformas serão responsabilizadas, independentemente de notificação extrajudicial, quando os conteúdos ilícitos estiverem em anúncios e impulsionamentos pagos ou distribuídos artificialmente por chatbots ou robôs, o que não ocorria anteriormente a esta decisão do STF. Estas são as principais mudanças advindas desta decisão.

A defesa da liberdade de expressão nunca esteve tão em evidência no país, em especial por conta as acaloradas discussões políticas nas redes sociais. Como especialista em processos sobre calúnia, injúria e difamação, quais são os limites para não incorrer em um destes delitos?
Os limites são os direitos individuais também previstos na Constituição, como o direito à privacidade, intimidade, honra e imagem. No caso da calúnia, não se pode atribuir a alguém um crime, sem ter uma prova consistente do que se alega. Na difamação, não se pode atribuir a alguém um ato moralmente ou socialmente reprovável, ou seja, quando se ataca a reputação da pessoa sem ter uma prova do que se alega. E a injúria ocorre quando há uma ofensa direta à pessoa através de adjetivos pejorativos, por exemplo. Então a receita é simples, utilize a liberdade de expressão com respeito e responsabilidade. Para não haver calúnia ou difamação tenha provas concretas do que se alega. Para não haver injúria, não ofenda. É possível exercer a Liberdade de Expressão, sem ofensas. Lembrando que a Liberdade de Expressão não é absoluta. Ela precisa coexistir com os demais direitos individuais previstos na Constituição.

Boa parte dos “haters” que navegam no ambiente virtual ainda se sentem seguros para atacar, seja por meio de comentários ou postagens. Mesmo com uma legislação que assegura direitos a quem se sinta ofendido, a impressão que se tem é que a impunidade ainda é soberana. Concorda com esta percepção?
Concordo. E esta sensação de impunidade se dá justamente pelo descompasso entre o avanço da tecnologia e os meios coercitivos que hoje temos para fazer cessar esta avalanche de crimes virtuais. As leis e o Judiciário estão anos luz atrasados em relação aos crimes digitais. E neste aspecto é que vejo com bons olhos esta decisão do STF. Trata-se de uma tentativa de ao menos estancar os danos, já que encontrar os autores dos crimes e puni-los é um outro desafio a ser enfrentado.

No caso da indústria das Fake News, que cresce em escala assombrosa, como combater o avanço deste câncer?
Esta decisão do STF talvez sirva também para auxiliar no controle das Fake News, já que, a partir da notificação extrajudicial das pessoas prejudicadas, as plataformas poderão fazer a remoção deste conteúdo. Além disso, as replicações de fatos ofensivos, já reconhecidos por decisão judicial, devem ser removidas pelas plataformas, independentemente de novas decisões judiciais, a partir da notificação extrajudicial e judicial, o que também deve auxiliar a conter as Fake News. Mas sempre acredito no trabalho de base, na educação, na conscientização dos jovens e das crianças sobre os danos causados pela desinformação. Com a disseminação de uma cultura de boas práticas será possível às pessoas aprender a analisar os conteúdos publicados antes de replicar. É importante que saibam buscar as fontes oficiais ou os sites que se ocupam da checagem das publicações. Ainda estamos longe de uma solução adequada para a realidade das plataformas digitais, o caminho será longo e árduo, mas é preciso começar de alguma forma. É preciso um esforço conjunto do Legislativo, do Judiciário e da sociedade como um todo, tendo como objetivo maior o bem social, deixando de lado as paixões e os interesses individuais.

Foto: Arquivo pessoal

Você também pode gostar:

Edit Template

© 2025 Rafael Martini | Jornalismo Independente