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Redação

quarta-feira - 30 de julho de 2025

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30/07/2025

Uma luz no fim do túnel para a luta das mulheres por igualdade plena

“Mulher, mãe, esposa, Promotora de Justiça. Cheia de entusiasmo pela vida e pelo que podemos construir juntos”. Frases que, em tese, resumem Vanessa Wendhausen Cavallazzi, atual Procuradora-Geral de Justiça do Ministério Público de SC, no seu perfil no Instagram. Mas insuficientes para traduzir o tamanho do simbolismo como pioneira na chefia do MP. Uma conquista em que a questão de gênero, pela primeira vez, não foi um obstáculo. Nem tão pouco contou pontos a favor. Ela chegou lá por competência, por meritocracia em reconhecimento a sua trajetória. Vanessa Cavallazzi, hoje, é referência para milhares de outras mulheres que, em pleno 2025, ainda precisam lutar em busca da igualdade plena. A Procuradora-Geral de Justiça do MSC é a nossa convidada para a estreita da seção “5 perguntas”, que será publicada aos finais de semana.

Pouco mais de dois meses após ter tomado posse, já deu tempo para a senhora acostumar-se à rotina do cargo como agenda, demandas e gestão? Ou, com o perdão da expressão popular: por enquanto só aumentou a correria?
Realmente os dois primeiros meses foram de um trabalho absolutamente intenso, de muita abertura e do restabelecimento de pontes de diálogo com todos os atores sociais, seja com chefes de poderes e órgãos de controle, sejam associações civis ou também forças sociais. Nossa intenção é aproximar o Ministério Público dos mais variados setores, porque nós entendemos que, a partir daí, identificadas as necessidades e os direitos a serem implementados, poderemos definir nossas prioridades, fazendo com que o Ministério Público consiga levar a termo sua missão de maneira mais clara e precisa. Então, esses primeiros dois meses foram dedicados a trabalhar nesta nova agenda e transformá-la em um instrumento de conexão ainda maior do MP com a sociedade.

Ser a primeira procuradora-geral de Justiça foi, sem dúvida, um marco. A senhora acredita que este pioneirismo irá contribuir para a ascensão de outras mulheres à liderança de órgãos de controle ou poderes em SC? E por que ainda hoje vocês são minoria nestes cargos?
O fato de ser a primeira a ocupar esse espaço não garante que a porta não será mais fechada. É preciso que surjam políticas institucionais para assegurar que mais mulheres possam alcançar cargos de liderança. Isso porque a carreira de uma mulher tem as mesmas premissas, os mesmos caminhos que uma carreira masculina. Até porque, em diversos lares, o trabalho doméstico é basicamente uma função exercida por nós, sem nenhum tipo de reconhecimento ou ajuda. Quando estava compondo a minha equipe, confesso que fiquei espantada ao perceber que procuradoras e promotoras convidadas acabaram declinando do convite por questões familiares. No caso das mais jovens, a gestação ou filhos pequenos, já entre as que estão com suas carreiras consolidadas, são filhos adolescentes que demandam uma atenção. São motivos que pesam na hora de aceitar uma função que irá demandar ainda mais do seu tempo, que já é escasso. Isso nos fez, inclusive, repensar na forma como se organizar a instituição para permitir que estas mulheres possam assumir esses postos, sem que isso afete a atividade materna. Caso contrário, nós vamos ter muita dificuldade para fazer com que esta conquista não seja um ponto fora da curva. Admito que este é um longo caminho a ser trilhado, mas não podemos perder a percepção de que a necessidade de mudança, de adaptação, é premente.

A senhora já manifestou que, entre outras ações, pretende estimular a cultura do Ministério Público mais conectado às demandas do cidadão, com foco na prevenção, no estímulo aos acordos e, por consequência, reduzindo as ações punitivas. Como a senhora avalia, até agora, esta nova proposta?
Essa é, de fato, uma prioridade institucional, porque nós enxergamos que o nosso Estado possui singularidades regionais muito intensas. E diante de problemas que variam de acordo com a localidade, daí a necessidade de diferentes ações. Por isso, a partir de julho começaremos no Ministério Público um grande projeto de planejamento regional da atuação da instituição A identificação de prioridades locais nas mais variadas áreas, a partir de um debate com os promotores de Justiça, transformando as percepções de quem atua na ponta no embasamento para um amplo plano de ações. Estão previstos 11 encontros regionais ao longo de 2025. A ideia é que, a partir do próximo ano, possamos colocar em operação este planejamento estratégico regionalizado, aproximando o MP das reais demandas da sociedade.

O feminicídio e ações para reduzir a violência contra a mulher sempre estiveram entre as suas prioridades. Mas como prevenir este tipo de crime bárbaro, quando a maior parte dos autores convive com a vítima dentro de casa?
A violência doméstica é de fato é uma das mais perversas dentro do panorama criminal, porque ela atinge a vítima justamente onde ela deveria sentir-se mais segura, no seu lar. Relacionamentos entre casais, que deveriam ser baseados no respeito e amor, por vezes acabam se transformando em conflitos, com o uso da violência diante da dificuldade que muitas ainda têm em pedir ajuda, por medo de expor a família ou prejudicar os filhos, por exemplo. Some-se a isso, em muitos casos, a dependência econômica, como fator inibidor para a vítima denunciar. Muitas suportam caladas o consumo de álcool e drogas dos parceiros, porque acreditam ser possível “salvar” o casamento. E, para piorar, existe as que se culpam, acreditando ser a responsável pela mudança de comportamento do companheiro. A violência contra a mulher é um fenômeno absolutamente complexo e que tanto a Justiça quanto o aparato estatal como todo tem muita dificuldade em lidar. Daí a necessidade de termos um mapa do feminicídio. Ele não é um fenômeno homogêneo, que acontece da mesma forma em todas as regiões de Santa Catarina. A ideia é que esse mapa consiga traduzir não somente os números, mas também identificar quem é essa mulher, qual é o seu perfil socioeconômico, qual é a idade média, qual é o seu grau de escolaridade, se ela trabalha e quem é agressor/homicida. Somente com um detalhado banco de dados poderemos ter elementos para construir políticas publicas de prevenção focadas nas características de cada região.

A disseminação de informações falsas e mensagens de ódio encontram terreno fértil nas redes sociais e no compartilhamento via aplicativos, como whatsapp. Qual o papel do Ministério Público no combate à crescente indústria das fakes news?
O Ministério Público tem um papel central no combate às fake news, em especial às que envolvem crimes de ódio, exploração sexual de crianças e adolescentes ao induzimento de autoflagelação ou até mesmo suicídio. Penso que podemos dividir nossa atuação em duas vertentes: o primeiro é de combate efetivo a esta criminalidade neste ambiente hermético que é a internet. E daí surge no seio da instituição o Cyber Gaeco, que vem desenvolvendo um papel central de combate a esta criminalidade. Temos vários casos em que, inclusive, conseguimos nos antecipar à ocorrência de tragédias até mesmo de grande porte. Na outra ponta, a prevenção, como, por exemplo, nas escolas, onde temos o Educando Cidadãos, que trata de questões de cidadania no diálogo com alunos do ensino fundamental e médio. Nós temos também a publicação de materiais orientativos nas nossas redes, com informações preventivas e, claro, sobre como agir em caso de identificação deste tipo de crime. E, neste quesito, não mediremos esforços para coibir esta prática cada vez mais comum, que pode transformar um simples aparelho celular na porta de entrada para criminosos, mesmo quando acreditamos estar na segurança das nossas casas. Ou, mais grave, quando acreditamos que nossos filhos estão seguros no quarto, navegando nas redes.

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